Jojo Rabbit: uma análise psicanalítica dos símbolos e do inconsciente
Jojo Rabbit (2019), dirigido por Taika Waititi, oferece uma perspectiva única e satírica sobre a Segunda Guerra Mundial, explorando os horrores do regime nazista através dos olhos de uma criança. O filme mistura humor, drama e emoção ao contar a história de Jojo Betzler, um menino alemão que idolatra Adolf Hitler e tem o próprio “Fuhrer” como amigo imaginário. Conforme a trama se desenrola, Jojo precisa confrontar suas crenças profundamente enraizadas quando descobre que sua mãe, Rosie, está escondendo uma jovem judia em casa.
A proposta satírica do filme não apenas questiona a ideologia nazista, mas também examina como a mente de uma criança pode ser moldada por ideais distorcidos. Esse olhar lúdico e ao mesmo tempo comovente proporciona uma rica oportunidade para análise psicanalítica, revelando camadas simbólicas que transcendem a narrativa superficial.
Na psicanálise, símbolos e modelos desempenham um papel central na compreensão do inconsciente humano. No cinema, esses elementos enriquecem a experiência do espectador, oferecendo metáforas visuais que refletem dilemas internos e coletivos. Em Jojo Rabbit, dois aspectos simbólicos se destacam: os sapatos da mãe de Jojo e a figura do amigo imaginário. Ambos não são meros detalhes narrativos, mas representações profundas dos conflitos internos do protagonista e de seu desenvolvimento moral.
Nesta análise, exploraremos como o simbolismo dos sapatos de Rosie representa a bússola moral e o processo de luto de Jojo, enquanto o amigo imaginário, uma versão fantasiosa de Adolf Hitler, personifica o superego distorcido do menino. Ao decifrar esses elementos, podemos entender melhor como o filme utiliza a linguagem do inconsciente para narrar uma jornada de transformação e autodescoberta.
O Simbolismo dos Sapatos: O Vínculo com a Realidade e a Perda
No contexto de Jojo Rabbit, os sapatos de Rosie, a mãe de Jojo, transcendem sua função utilitária e se transformam em um símbolo profundo de afeto, moralidade e perda. A presença recorrente dos sapatos ao longo do filme serve como uma metáfora visual, carregada de significados que revelam as dinâmicas internas do protagonista.
Rosie como Bússola Moral e o Superego
Rosie representa o princípio moral na vida de Jojo, funcionando como a figura do superego, a instância psíquica que internaliza valores e regras sociais. Ao contrário do superego distorcido representado pelo amigo imaginário Adolf, Rosie oferece uma bússola moral pautada no amor, compaixão e resistência ao regime nazista. Seus sapatos vermelhos simbolizam esse espírito vibrante e desafiador, contrastando com a atmosfera opressiva da guerra.
Os Sapatos como Metáfora do Afeto e Liberdade
A relação de Jojo com os sapatos da mãe não é casual. Vemos, em várias cenas, o garoto prestando atenção especial a eles — seja ao calçá-los ou ao vê-los pendurados. Essa fixação sugere um vínculo afetivo profundo e uma conexão simbólica com a liberdade representada por Rosie. Os sapatos também evocam o desejo de Jojo por segurança e orientação, reforçando a presença protetora e inspiradora da mãe em sua vida.
A Cena Crucial: O Impacto Psíquico da Perda
O momento mais marcante envolvendo os sapatos ocorre quando Jojo encontra o par pendurado, sugerindo a execução de Rosie pelos nazistas. A câmera foca nos sapatos, sem mostrar explicitamente o corpo, intensificando o impacto emocional da cena. Esse detalhe visual é devastador para Jojo — e para o espectador —, simbolizando a perda abrupta de sua bússola moral e a ruptura de sua infância idealizada.
O Processo de Luto e a Confrontação com a Realidade
A ausência de Rosie força Jojo a confrontar a brutalidade do mundo real e a revisar suas próprias crenças. Sem a mãe para guiar seus passos, ele precisa reconstruir sua moralidade a partir das lições deixadas por ela. O luto transforma-se em um processo de autodescoberta, no qual Jojo abandona gradualmente a figura do amigo imaginário autoritário e começa a internalizar os valores genuínos de Rosie.
Os sapatos, portanto, não são apenas um detalhe narrativo; eles representam a transição de Jojo da dependência infantil para uma maturidade dolorosa, mas necessária. Ao focar nestes símbolos, o filme nos lembra do poder das pequenas coisas — e das grandes perdas — em moldar nosso inconsciente e definir nossas escolhas morais.
O Amigo Imaginário e o Superego: O Conflito Interno de Jojo
No centro do conflito psicológico de Jojo Rabbit está a figura do amigo imaginário de Jojo, uma versão caricatural de Adolf Hitler. Esse personagem não é apenas um elemento humorístico, mas uma representação simbólica do superego distorcido do protagonista, refletindo as pressões ideológicas internalizadas por uma criança em um regime totalitário.
Adolf como Projeção do Superego Distorcido
Na psicanálise, o superego representa a internalização das normas, valores e regras impostas pela sociedade. Em Jojo, essa instância está corrompida pela propaganda nazista, transformando-se em um ideal autoritário que governa suas ações e pensamentos. O amigo imaginário Adolf personifica esse superego distorcido, agindo como uma voz interior que reforça a ideologia dominante e reprime qualquer dúvida ou emoção contrária.
O Papel do Amigo Imaginário na Formação Psíquica
O amigo imaginário surge como uma figura que oferece a Jojo uma sensação de segurança e pertencimento em um mundo caótico. Ele é a projeção do que Jojo acredita que deve ser para se encaixar nas expectativas do regime: forte, leal e destemido. Esse “Adolf” imaginário valida as crenças nazistas de Jojo e o encoraja a negar suas próprias dúvidas e sentimentos de empatia, especialmente quando ele começa a se aproximar de Elsa, a jovem judia escondida em sua casa.
A Evolução do Superego: Um Novo Caminho Moral
Conforme a narrativa avança, o relacionamento de Jojo com o amigo imaginário começa a mudar. As interações com Elsa e as lições deixadas por sua mãe desafiam as convicções que Adolf representa. Gradualmente, Jojo começa a questionar as ordens e conselhos de seu superego interno, refletindo um processo de desenvolvimento moral. Esse afastamento simboliza a construção de uma nova consciência, menos influenciada pela ideologia opressora e mais conectada com a compaixão e a humanidade.
A Confrontação Final: Ruptura com a Ideologia Opressora
O momento culminante desse conflito interno ocorre quando Jojo, após vivenciar perdas e enfrentar a verdade brutal do regime, confronta diretamente seu amigo imaginário. Em uma cena simbólica, Jojo expulsa Adolf, literalmente chutando-o pela janela. Esse ato representa a libertação do controle do superego distorcido e a ruptura definitiva com a ideologia nazista. É a vitória da moralidade genuína sobre a propaganda internalizada, e a afirmação de uma nova identidade, construída a partir das experiências reais e das relações humanas.
O amigo imaginário, portanto, não é apenas uma criação infantil; ele simboliza a luta interna de Jojo entre os valores impostos e os valores descobertos. A jornada do protagonista reflete o processo psicanalítico de confrontar e superar as estruturas opressivas do inconsciente, abrindo caminho para a verdadeira individuação e crescimento moral.
A Relação Entre Jojo e Elsa: O Despertar da Empatia
A relação entre Jojo e Elsa é o ponto de virada emocional e moral em Jojo Rabbit. Elsa, a jovem judia escondida pela mãe de Jojo, representa o “Outro” — alguém que, de acordo com a ideologia nazista, deveria ser temido e odiado. No entanto, é justamente esse contato com o desconhecido que provoca uma transformação profunda no protagonista, desafiando suas crenças e desencadeando um processo de humanização e crescimento.
Elsa como o “Outro” e o Desafio ao Superego
Na psicanálise, o conceito do “Outro” está ligado ao confronto com o desconhecido, o que pode gerar medo ou fascínio. Inicialmente, Jojo vê Elsa como uma ameaça, refletindo o que o superego distorcido — simbolizado pelo amigo imaginário Adolf — lhe ensinou. Ela desafia diretamente a visão de mundo que ele internalizou, questionando suas ideias preconcebidas e expondo a fragilidade de suas convicções. Esse choque de realidades é o primeiro passo para que Jojo comece a enxergar além da propaganda nazista.
A Substituição dos Valores Internos
Conforme Jojo convive com Elsa, suas interações desconstroem as mentiras que ele acreditava. A presença dela oferece uma nova referência ética, baseada em empatia e humanidade, contrapondo-se ao superego autoritário. Enquanto o amigo imaginário representa o medo e o ódio, Elsa personifica a compaixão e a coragem. A partir dessa relação, Jojo começa a questionar suas próprias crenças e a formar uma nova moralidade, mais autêntica e conectada à realidade.
A Humanização como Processo Psicanalítico
A jornada de Jojo em direção à empatia pode ser vista como um processo de individuação — o desenvolvimento do “eu” verdadeiro, livre das imposições do superego distorcido. A convivência com Elsa obriga Jojo a confrontar suas próprias contradições e a reconhecer a humanidade no outro. Esse processo é doloroso, pois envolve a desconstrução de uma identidade baseada em falsas seguranças. No entanto, é também libertador, permitindo que Jojo reconcilie-se com a realidade e descubra um novo senso de propósito.
Ao final do filme, a transformação de Jojo está completa: ele não apenas rejeita a ideologia nazista, mas também encontra coragem para proteger Elsa, mesmo em meio ao caos da guerra. A relação entre eles simboliza a vitória da empatia sobre o ódio, e a possibilidade de redenção através do entendimento do outro.
Assim, a conexão com Elsa não só redefine os valores de Jojo, mas também ilustra a capacidade humana de mudança e crescimento. Na psicanálise, como na vida, é através do encontro com o “Outro” que somos desafiados a evoluir, abandonando as ilusões do inconsciente para construir uma moralidade mais verdadeira e compassiva.
Conclusão
Jojo Rabbit oferece uma narrativa poderosa sobre transformação psíquica, utilizando símbolos marcantes para retratar a jornada interna de seu protagonista. Os sapatos de Rosie e o amigo imaginário Adolf não são meros elementos narrativos; eles representam o processo de mudança que Jojo atravessa, confrontando suas crenças e reconstruindo sua identidade. Cada símbolo revela uma faceta do desenvolvimento moral e emocional: os sapatos simbolizam o vínculo com a bússola moral da mãe, enquanto o amigo imaginário encarna o superego distorcido que ele precisa superar.
A Mensagem Psicanalítica do Filme
A trajetória de Jojo reflete um princípio central da psicanálise: a necessidade de confrontar o próprio inconsciente e questionar os valores internalizados. Durante a infância, Jojo absorve a ideologia nazista como verdade absoluta, mas, através da perda, do amor e do encontro com o “Outro” (representado por Elsa), ele começa a questionar e desconstruir essas crenças. O filme nos lembra que o inconsciente é moldado por influências externas, mas pode ser transformado por meio da reflexão e da experiência direta com a realidade.
Reflexão Final
As mensagens de Jojo Rabbit ressoam profundamente em nossa compreensão do bem, do mal e da moralidade interna. O filme nos desafia a olhar para dentro e identificar quais “amigos imaginários” — ideologias, medos ou preconceitos — moldam nossas escolhas e percepções. Ele sugere que, para crescer e evoluir, precisamos enfrentar esses aspectos ocultos de nós mesmos, questionando as verdades que aceitamos sem reflexão.
A jornada de Jojo é, em última análise, um lembrete de que a verdadeira moralidade não vem da conformidade cega, mas do entendimento genuíno do outro e da coragem de mudar. Em um mundo ainda marcado por divisões e intolerâncias, Jojo Rabbit nos convida a cultivar a empatia e a refletir sobre os símbolos que guiam nossas vidas.
Convite à Reflexão
Os símbolos em Jojo Rabbit são apenas um exemplo de como o cinema pode nos ajudar a entender os aspectos mais profundos do inconsciente e da formação de valores. Cada detalhe em um filme pode carregar significados ocultos que refletem dilemas internos e coletivos, oferecendo lições valiosas sobre moralidade, empatia e autoconhecimento.
Que outros símbolos em filmes já te fizeram refletir? Pense em como as mensagens sutis — ou explícitas — influenciam a maneira como você percebe o mundo e a si mesmo. Desafie-se a olhar além da superfície e analisar os valores internalizados que guiam suas próprias ações.
A psicanálise e o cinema nos mostram que, ao decifrar esses símbolos, podemos não apenas compreender melhor os personagens na tela, mas também explorar os labirintos de nossa própria mente.
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Jojo Rabbit esta disponível no Disney Plus